UFBA – Pesquisa com microalgas busca produzir energia limpa e “lixo zero”

Nas biorrefinarias, o futuro da energia limpa. (Foto: Arquivo LABEC/UFBA)

Como acontece há mais de 200 anos, a matriz energética no Brasil e no mundo se caracteriza pela utilização de combustíveis fósseis como o petróleo, o carvão mineral e o gás natural – itens básicos na geração e consumo de energia que, por não serem renováveis, são extremamente nocivos ao meio ambiente. Por outro lado, desde a década de 1970, cientistas buscam formas de reverter esse perfil de consumo – e, com a criação da Agenda 21, um dos principais resultados da conferência Eco-92 ou Rio-92, aumentou a busca por alternativas mais sustentáveis de consumo energético que sejam menos cruéis com a natureza.

É nesse contexto que laboratórios e universidades em todo o mundo incrementam os estudos e pesquisas buscando fontes alternativas e menos poluentes de energia. Um desses laboratórios se encontra na UFBA: é o Labec, Laboratório de Bioenergia e Catálise, responsável por uma pesquisa sobre o tema da energia sustentável com o foco no desenvolvimento de biodiesel e outras fontes de energia limpa a partir de microalgas. O Labec fica no segundo andar da Escola Politécnica e foi montado em 2009 pelo pesquisador e professor Emerson Andrade Sales, doutor em engenharia química pela Universidade Paris 7 – Denis Diderot (1996).

Comandando uma equipe de alunos que pesquisam a valorização da biomassa de microalgas, Sales constatou que a biomassa destes organismos pode ser fonte de uma grande diversidade de moléculas. Essa constatação tornou possível a produção diversificada que vai do etanol, querosene, gasolina e óleo diesel até a produção de gás de cozinha, querosene de aviação e óleo lubrificante de máquinas e motores. A intenção dele é “mostrar que a biomassa pode ser uma fonte de várias moléculas e que o homem não precisa do petróleo”.

Atualmente, o professor Emerson Sales, docente permanente do Programa de Graduação em Engenharia Industrial (PEI/UFBA), juntamente com pesquisadores da Pondicherry University (Department of Green Energy Technology – Índia), desenvolvem um método inovador e mais sustentável de conversão de óleo vegetal (usando resíduos domésticos e comerciais) e óleo de microalgas em biodiesel, sem uso de catalisadores químicos. Essa pesquisa faz parte de um projeto financiado pelo órgão indiano SPARC (Scheme for Promotion of Academic and Research Collaboration) intitulado: ‘Novel Methods in Biofuel Production and Processing’.

Além do professor Emerson, a equipe é composta por outro pesquisador brasileiro, o professor Donato Aranda (UFRJ), e pelos professores indianos B. M. Jaffar Ali e Arun Prasath. O projeto ainda envolve pesquisadores de institutos de pesquisa indianos, como o Auroville Centre for Scientific Research (CSR), o Environmental Monitoring Service (EMS) e o Palmyra Centre for Ecological Landuse, Water Management and Rural Development todos de Auroville.

Microalgas e biorrefinarias

O pesquisador baiano acredita que a produção em larga escala de biocombustíveis em biorrefinarias é viável e vantajosa. “Os estudos até aqui apontam um ganho maior de energia. Isso impacta na qualidade do produto final, tornando-o mais eficiente do que os derivados do petróleo e altamente competitivo. Além de ser de uma fonte verde renovável, sustentável, faz captura de carbono e não emite contaminantes, como enxofre e metais pesados presentes no petróleo.”

Mas como funcionam as biorrefinarias de microalgas? Segundo informações da Sociedade Brasileira de Microbiologia, “o Brasil precisaria evoluir no conceito de refinaria integrada, que permitiria aproveitar os resíduos de outra produção para gerar energia ou biocombustíveis capazes de substituir o diesel e até a gasolina. Uma das linhas de pesquisa mais promissoras nesse sentido é a produção de biocombustíveis a partir de microalgas marinhas naturais ou geneticamente modificadas”.

Para o professor Sales, uma biorrefinaria, de maneira geral, é uma unidade idealizada para gerar produtos químicos de alto valor e, ao mesmo tempo, combustível em larga escala a partir da biomassa, geralmente residual, podendo ser inclusive resíduo da própria agricultura. “Eu escolhi trabalhar com microalgas, conta Sales, porque elas não competem com a alimentação humana, porque podemos desenvolver as microalgas independentemente de terras agrícolas, e usando uma quantidade reduzida de água, porque as algas podem ser alimentadas com efluentes de cidades ou indústrias, o que fortalece ainda mais a justificativa ecológica, com ciclos que alimentam ainda mais o ganho global”.

Professor-Emerson-e-parte-de-sua-equipe-de-pesquisa-768×512 Bons equipamentos e uma boa turma de estudantes para fazer a pesquisa avançar Professor Emerson e parte de sua equipe. (Arquivo LABEC/UFBA)

A pesquisa na UFBA

O professor Sales afirma que existem milhares de espécies de microalgas e que elas estão na origem da vida. Há três bilhões de anos foram os primeiros seres unicelulares que apareceram, formando o que chamamos até hoje de vida marinha, o fitoplanton. Muitas delas já foram catalogadas e estão sendo estudadas nos laboratórios pelos cientistas e, no caso específico do Labec/UFBA, foram selecionadas vinte espécies para a pesquisa, já que algumas têm, por natureza do seu metabolismo, uma tendência maior de acumular compostos diferenciados que, uma vez refinados, resultam em produtos finais também diversos.

Arquivo Professor Emrenson“Então, resume Sales, hoje temos uma gama enorme de produtos que conseguimos em escala de laboratório a partir da biomassa de microalgas num total de 14 produtos desde gás de cozinha até querosene, querosene de aviação, gasolina, óleo diesel, lubrificantes, o etanol, o biodiesel e também pigmentos que podem ser destinados para a indústria cosmética, farmacêutica ou para a própria alimentação humana. Então, tudo isso junto é o que chamamos de uma biorrefinaria”, sintetiza.

A caminho da Índia

Todo este esse desenvolvimento foi feito inicialmente em laboratório mas, em seguida, foi elaborada uma planta piloto para produção de biomassa e microalgas e foram desenvolvidos reatores para a síntese do biodiesel. “Em 2015 eu fui para a Índia, lembra Sales, para um primeiro pós-doutorado. E em 2018, no segundo pós-doutoramento, na Pondicherry University escrevi, junto com o professor B. M. Jaffar Ali, um projeto de cooperação aprovado pelo governo da Índia, visando ao aumento de escala da produção de biodiesel e etanol. Mas então aconteceu a pandemia, e o intercambio parou durante os anos de 2020 e 2021.”

Arquivo Professor
Na Índia, ônibus e moto abastecidos com combustível verde (Fotos de arquivo pessoal do professor Emerson Sales)

“Em 2022, quando as condições melhoraram, voltei à Índia no começo do ano e conseguimos colocar em operação a continuidade desse projeto, produzindo etanol a partir de microalgas, com excelente qualidade, além de biodiesel. Os dois combustíveis foram testados e aprovados em vários motores como numa motobomba para a irrigação de uma fazenda, num gerador de eletricidade, do próprio laboratório, no qual o biodiesel foi produzido em Aurovile que é uma cidade modelo ecológica. Com etanol nós colocamos para funcionar em uma motocicleta e com o biodiesel nós rodamos três automóveis e um ônibus pela cidade e no campus da Universidade de Pondicherry. Lá, a pesquisa continua o seu caminho.”

Aqui no Brasil o biodiesel foi produzido em um reator piloto e testado em dois motores e a intenção agora é continuar com essas pesquisas focando na produção do etanol, como já acontece hoje na Índia, e de outros produtos já desenvolvidos em escala de laboratório. “O primeiro que estou escolhendo com prioridade é a gasolina, que vamos desenvolver em escala piloto. Tudo isso tem um objetivo de buscar uma autonomia energética para o transporte e para geração de eletricidade, o que pode ser muito útil em comunidades isoladas. Isto também significa que não precisamos de petróleo que é hoje a principal fonte dos nossos problemas ambientais”.

Necessidade de investimento

O professor Emerson Sales sabe que para o produto final chegar ao consumidor, seria necessário investimento massivo em biorrefinarias, algo que “não acontecerá de uma hora para a outra”. Portanto, trabalha-se com foco na transição, e não troca imediata de uma logística de produção por outra. Sobre o preço do produto, Sales entende que depende da demanda do mercado e de incentivos, mas afirma que o custo de produção é muito baixo, pois as microalgas são coletadas em qualquer corpo d’água, como mares e rios, e contam com uma diversidade de milhões de espécies. Além disso, é perfeitamente possível utilizar resíduos como insumos, declarou o professor em entrevista ao repórter Thiago Barboza, no Edgardigital, em 2017.

Emerson Andrade Sales é químico formado pela Escola Técnica Federal. Graduado foi trabalhar no Polo Petroquímico de Camaçari e em seguida resolveu fazer Engenharia Química. Voltou a trabalhar no Polo em indústria pesada na antiga Copene (Companhia Petroquímica do Nordeste) hoje Braskem UNIB. Passou pela Petrobrás, onde descobriu a sua vocação para a pesquisa o que o levou para o Centro de Pesquisas e desenvolvimento do Estado da Bahia (CEPED), em Camaçari. Lá ficou cinco anos. Em seguida, optou por continuar as suas pesquisas na Universidade Federal da Bahia, em 1990, onde além de pesquisador, ensina há 32 anos, sempre realizando trabalhos ligados ao meio ambiente.

Sales também é pós-doutor em novas tecnologias para a geração de biocombustíveis pela Universidade de Paris 7- Denis Diderot (em 1998 e 2000) e pelo IRCEL (Lyon – França, 2007-2008). Na Universidade Paul Sabatier Toulouse, França – 2009 estudou nanopartículas semicondutores como fotocatalisadores para geração de hidrogênio. Tem ainda mais dois pós-doutorados na índia, em 2015 na Bangalore University e em 2018, pela Pondicherry University,

Veja mais sobre a pesquisa aqui: Conf_Paris7_2021_EN