Unila – Pesquisa detalha comportamento e alimentação dos macacos-prego que vivem no Bosque dos Macacos

No meio da cidade tem um bosque, uma ilha verde cercada por ruas e casas, tráfego, atividades humanas. O local é fonte para pesquisas da UNILA desde 2011. A mais recente teve os resultados publicados pela American Journal of Primatology e avaliou padrões de forrageamento (busca por alimentos), alimentação e diversidade alimentar de macacos-prego, habitantes daquela floresta urbana: o Bosque dos Macacos, localizado no Jardim Ipê.

Os animais que moram no Bosque dos Macacos ganham carinho e alimentos dos vizinhos – da maioria, segundo observado nos estudos. A dieta desses primatas neotropicais, mostra a pesquisa realizada entre 2018 e 2019, é garantida pelas pessoas que se dispõem a alimentá-los diariamente: 57,5% vêm do chamado ambiente antrópico. Desse total, 89,5% foram fornecidos por pessoas; 5,66% são descartes; e 4,69% vêm de pomares. Os outros 42,4% da alimentação do grupo são retirados da floresta (invertebrados, 47,8% e frutas, 40%). “Vejo que o primeiro ponto, talvez o mais importante, é o nível de consumo de comida antrópica [humana], que a gente não pode negar que é muito importante na dieta desses animais”, diz Bárbara de Araújo Gonçalves, a autora da pesquisa, tema de seu trabalho de conclusão do curso de Ciências Biológicas – Ecologia e Biodiversidade.

A dieta dos macacos-prego, de acordo com o estudo, é composta, principalmente, por plantas (69,77%) e matéria animal (20,57%). Alimentos industrializados correspondem a 9,5% e materiais não identificados, a 0,16%. Um ponto positivo é que a maioria dos alimentos oferecidos pela população (83,48%) são frescos. A pesquisa também apontou que os macacos-prego utilizam, para sua alimentação, 58 espécies vegetais de 37 famílias. Desse total, 44 espécies vegetais são nativas e 14 exóticas. Um total de 45 espécies foram obtidas da floresta (38 nativas e sete exóticas) e 13 de pomares (seis nativas e sete exóticas). Amostras das espécies vegetais foram coletadas, identificadas e catalogadas com apoio metodológico da docente Laura Lima, coorientadora da estudante.

A dependência de alimentos fornecidos pelas pessoas, diz a pesquisadora, resulta do fato de o bosque não fornecer toda a matéria necessária para o consumo dos animais. “Parece que o Bosque não tem nada. Mas tem algumas coisas, embora não tenha a diversidade como a de uma área natural. Por isso, esses animais dependem de uma suplementação de origem antrópica”, comenta.

Segundo a pesquisa mostrou, a dependência da alimentação humana permanece mesmo em épocas do ano em que a oferta da floresta aumenta. “Eles não abandonam [o alimento oferecido pelas pessoas]. É comida de fácil acesso, tem maior disponibilidade energética – normalmente é banana, são frutas que eles não vão encontrar tão carnosas, bonitas, em grande quantidade. O que eles fazem é complementar”, aponta.

O orientador do trabalho da estudante, Lucas M. Aguiar, professor do mestrado em Biodiversidade Neotropical, ressalva que, embora o alimento do ambiente antrópico seja importante, tende à homogenização – somente bananas ou pão, por exemplo. “Às vezes tem muito alimento processado também, e esses animais têm um repertório alimentar amplo que requer muitos tipos de nutrientes”, comenta. Apesar disso, diz ele, aparentemente os animais são saudáveis. “Estão com uma pelagem brilhante, extremamente bonita, o que sugere que, teoricamente, eles estão bem, do ponto de vista de manutenção.”

Ele ressalta que esses dados foram coletados há quatro anos e que o desmatamento de uma área do Bosque pode ter alterado a rotina dos animais. “Com aquela grande devastação, a situação pode ter mudado completamente. A gente não sabe como eles estão se comportando e precisaria retomar os estudos para avaliar o impacto no comportamento e alimentação dos macacos.”

Muito trabalho

A pesquisa exigiu esforço de Bárbara. O grupo estudado, formado por 18 macacos que vivem no Bosque, foi observado entre maio de 2018 e abril de 2019. Foram 556 horas de observação, que equivalem a 48 dias. “A gente ficava do nascer ao pôr do sol, porque tinha de pegar desde o primeiro comportamento até o último. A gente chegava antes de os macacos acordarem e só ia embora quando subiam para a árvore e iam dormir. A cada dez minutos fazia amostragem. Amostramos todos os comportamentos”, conta a pesquisadora, que deve concluir nesse semestre seu mestrado em Ecologia, pela Universidade de Brasília.

Forrageamento e alimentação são dois dos comportamentos estudados. A lista se completa com outros sete: movimentos, descanso, interações sociais, interações com humanos, interações com os pesquisadores, interações com animais domésticos e outros comportamentos. “Eu andava atrás dos macacos. Quem mandava na minha rota eram eles. Tinha de acompanhar o grupo. Contabilizava cada indivíduo, o que estavam fazendo. Eles ficam girando o bosque inteiro. Sempre mudando de rota. Sempre em grupo. É raro sozinhos. Forrageando sempre próximos uns dos outros.”

O forrageamento, considerado na pesquisa como a busca pelo alimento e não o processo de alimentação, ocupou 24,05% das atividades diárias dos macacos-prego e a alimentação (consumo de comida), 5,83%. “Um dado importante de frisar é o uso do bosque por parte desses animais. A comida antrópica, por mais importante que seja, não é suficiente para suprir todas as necessidades nutricionais. Eles usam muito o bosque, principalmente com maior consumo de invertebrados, que é a proteína que eles não recebem dos seres humanos. Isso reforça a importância de manter aquele bosque, porque ele é importante para a dieta desses animais.”

Para Lucas, a pesquisa mostra que é necessário melhorar ambientalmente aquela área. “Você tem uma simplificação ambiental pela localização, pelo tamanho, pelo histórico de modificação. Uma simplificação da estrutura da vegetação e do número de espécies que, na natureza, esse animal estaria usando. O bosque é, basicamente, uma floresta vazia com os macacos. Então precisava, do ponto de vista de enriquecimento, aumentar essa diversidade florestal, começando pela estrutura da floresta em si, vegetais que forneceriam alimentos para eles, principalmente em estações mais secas e de menor abundância de comida, para evitar a dependência e a busca em menor frequência dos alimentos das pessoas, do lixo.”

Contribuições da pesquisa

Para Bárbara, a maior contribuição de sua pesquisa é o conhecimento produzido para a sociedade. “A maior contribuição da ciência, da pesquisa tem que ser para a população, para a sociedade antes de qualquer coisa. Com esse trabalho não é diferente. Para mim, a maior contribuição dele é poder dar subsídio para os órgãos ambientais de Foz do Iguaçu poderem criar um plano de manejo, um plano de ação baseado em informações confiáveis. Eu fico um pouco desesperada pela falta de informação e falta de preparo das pessoas que deveriam entender o que está acontecendo”, diz referindo-se ao desmatamento da área.

A segunda contribuição, afirma a estudante, é o avanço para a ciência. “São novas informações de como esses macacos se adaptam a ambientes urbanos. Hoje a gente tem cada vez mais conflitos entre fauna e ambiente urbano.” Ela completa a lista de contribuições citando a ecologia urbana e ecologia dos mamíferos. “Entender como é que esses mamíferos estão se adaptando e como a gente pode atuar na conservação de fato.”

Para Bárbara e Lucas, a solução para o local, que abriga os macacos há cerca de 40 anos, muito provavelmente introduzidos por humanos, é o tombamento da área como uma unidade de conservação. “Isso obriga a criação de um plano de manejo e desencadeia várias ações menores, como fiscalização e limpeza. A gente já tirou esses animais do habitat natural, já reduziu ao mínimo, do mínimo, então, o que agora a gente pode fazer é tentar, de alguma maneira, transformar o local em que vivem num lugar minimamente habitável” diz a estudante. “A gente tem uma responsabilidade no que a gente fez, muito possivelmente fomos nós que introduzimos os macacos ali outrora. A gente teria de ter esse comprometimento ético com nossas ações e garantir ali o lugar de vivência deles porque eles não tem para onde ir”, completa Lucas. “A gente tem de aprender a conviver, coexistir. E essa coexistência, vistos os diferentes graus de complexidade entre espécies, vai ter de partir da gente.”

E o motivo para a conservação da área não é somente manter ali os animais. “Tem importância biológica, valor para a população, vizinhos apegados. Tem valor social e isso deve ser levado em consideração” comenta Bárbara. Seu orientador tem a mesma opinião. “Eu formei ali sete estudantes. O local tem potencial para fomentar patrimônio científico. É um laboratório a céu aberto para estudar primatologia, o que é difícil fazer em outros lugares porque requer muito tempo, energia, as áreas são mais distantes. A gente tem, no meio da cidade, um lugar em que se pode treinar recursos humanos voltados à ciência, conservação, primatologia”, avalia lembrando que as pesquisas mostraram que os macacos-prego que habitam o bosque usam ferramentas para sua alimentação. “Não é toda população de macacos-prego que usa ferramenta”, destaca.

A retirada dos animas daquele local não é viável, diz o pesquisador. “O que eu vejo ali é que aquele bosque é uma ilha da fantasia para aqueles macacos. Eles não têm para onde ir porque a espécie não é nativa, então não se pode colocar aqueles animais nas florestas da região. Se você tentar passar para cativeiro a gente sabe quais são os problemas psicológicos e físicos. É um dano irreparável para os animais.”