UFV – Pesquisadores encontram bactérias do grupo da febre maculosa em carrapatos coletados em aves

Depois dos mosquitos, os carrapatos são os vetores que mais transmitem doenças para humanos. Nos animais, a ordem é inversa. A febre maculosa brasileira é uma das mais graves, quando não é tratada adequadamente. A doença infecciosa é transmitida por carrapatos infectados por uma bactéria conhecida como Rickettsia rickettsii. Em humanos, causa febre, hemorragias e manchas pelo corpo. Na bovinocultura, gera prejuízos superiores a R$ 3 bilhões a cada ano no Brasil, provocando a morte dos animais ou quedas na produção de carne e leite. Entender a transmissão de doenças por carrapatos e detectar focos dos micro-organismos responsáveis por diversas enfermidades é uma forma de se evitar o problema. Uma pesquisa realizada na UFV traz uma nova contribuição ao tema ao chamar a atenção para as aves como dispersoras de carrapatos.

A pesquisa começou quando a estudante Liara de Azevedo estava estudando a reprodução de aves durante um trabalho de iniciação científica em Ciências Biológicas. Na época, ela e o orientador do trabalho, o professor Rômulo Ribon, estranharam a presença constante de carrapatos em diversas espécies de pássaros encontrados na Mata do Paraíso, próxima a Viçosa.

A descoberta levou os pesquisadores da ornitologia a procurarem especialistas em carrapatos no Laboratório de Parasitologia Veterinária da UFV. Orientada pelo professor Artur Kanadani Campos, do Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, a doutoranda Bárbara Nogueira se interessou em identificar os carrapatos grudados nos pássaros capturados

Em um trabalho de parceria, Bárbara e Liara coletaram quase 500 carrapatos, nas fases de larva, ninfa e adulta. No laboratório, o sangue deles foi processado por PCR, um teste de biologia molecular que identifica com precisão o micro-organismo contido nas amostras. A conclusão é que mais de um quarto delas estava infectada por bactérias Rickettsia spp., um gênero que contém diversas espécies, entre elas a Rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa. Bárbara conta que foi preciso detalhar as espécies encontradas para confirmar o achado. Para isso, tiveram a ajuda do pesquisador Tiago Martins, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Universidade de São Paulo. “Nós sequenciamos o DNA das amostras e não encontramos a Rickettsia rickettsi, mas achamos outras espécies que não ocorrem no Brasil, o que foi uma surpresa. Esse gênero de bactérias é de grande interesse, porque algumas têm potencial zoonótico, podendo ser letal aos seres humanos”, explica Bárbara.

Entre as espécies de bactérias encontradas nos carrapatos está a Rickettsia rhipicephali, ainda quase desconhecida para a ciência, mas que precisa ser mais estudada para avaliar o seu potencial patogênico. As demais são conhecidas, mas pouco comuns no Brasil, o que também despertou a atenção dos pesquisadores. Entre elas estão a R. massiliae, causadora da síndrome SENLAT, na Europa, e a febre maculosa, no Mediterrâneo; a R. africae, causadora da febre maculosa africana, e a R. honei marmionii, responsável pela febre maculosa australiana. Segundo o professor Artur, “há outras doenças, além da febre maculosa brasileira, e é preciso entender melhor a presença das bactérias encontradas”.

Os pesquisadores explicam que é comum encontrar carrapatos em regiões rurais que ficam próximas às cidades, mas os pássaros infestados que serviram de base para a pesquisa foram capturados em área de preservação de florestas. “Por isso, nosso trabalho abre a perspectiva para considerar aves como hospedeiras relevantes, capazes de levar os carrapatos para áreas mais abrangentes através do voo. Mostramos novas associações entre parasitas, hospedeiros e patógenos com grande capacidade de dispersão, o que amplia a chance de transmissão de doenças”, avalia Artur.

Ainda de acordo com os pesquisadores, é importante ressaltar que nem todo carrapato está infectado com a bactéria transmissora. No Brasil, são encontradas quase 80 espécies diferentes destes pequenos aracnídeos, mas apenas algumas transmitem a doença, se estiverem infectadas com a bactéria Rickettsia rickettsii.

O trabalho foi publicado no início de setembro na revista Acta Tropica e contou com financiamento do CNPq, Capes e Fapemig.