Andifes reúne convidados para tratar sobre a Educação no Futuro

Pensar a educação brasileira das próximas décadas, especialmente nas universidades federais, propondo caminhos, políticas públicas e interações entre diferentes áreas do conhecimento, considerando avanços e avaliando desafios. Essas foram algumas diretrizes do seminário A Educação no Futuro, promovido pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), na cidade do Rio de Janeiro, em 17 e 18 de novembro.

O seminário contou com 150 participantes e oito entidades da educação básica, superior, profissional, pública e privada, ciência e tecnologia, arte e cultura, que vivenciam e conhecem a educação, além de interações internacionais, reunindo em um mesmo evento representantes de todos os campos da educação e promovendo o diálogo com o diferentes áreas e segmentos do ensino no país.

“A ideia é promover vários ciclos de discussão sobre os temas da educação brasileira, prioritariamente a educação superior, mas não só. Partindo da premissa que temos que pensar a educação de modo sistêmico, hoje realizamos o primeiro de uma série de seminários que acontecerão a partir do ano que vem. Depois desse período que atravessou a educação pública brasileira, de grandes transformações e desafios, como a pandemia, nos pareceu absolutamente necessário colocar os olhos no futuro, como um conjunto de instituições, pensar nossos próximos passos dentro desse novo ciclo”, afirmou na abertura do evento o presidente da Andifes, reitor Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR).

Censo da Educação Superior
O Seminário Andifes Educação no Futuro se iniciou com uma apresentação dos dados do Censo da Educação Superior 2021 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), feita por Katia Cristina Vaz, coordenadora-geral do Censo. Katia apresentou alguns dados selecionados, destacando o avanço das matrículas no Ensino a Distância concomitante com a redução nas matrículas em cursos presenciais, além de dados relativos às metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e projeções para os próximos anos. “Temos quase nove milhões de matrículas no ensino superior, e temos que crescer quase 2,4 milhões de matrículas para alcançar a meta do 12 do PNE, que é colocar 33% da população entre 18 e 24 anos no ensino superior até 2024. Precisaremos de políticas para isso, e ainda bem que a Andifes está aqui fazendo essa discussão”, afirmou a coordenadora-geral do Censo da Educação Superior.

Universidade ontem, hoje e amanhã
A primeira mesa do Seminário teve por tema A Universidade ontem, hoje e amanhã, na qual o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Álvaro Prata, fez um breve histórico da evolução das visões sobre a missão da universidade ao longo dos últimos séculos: organizar o conhecimento, educar as pessoas, qualificar as pessoas e realizar pesquisa. No caso das universidades brasileiras, Prata lembrou do trinômio ensino, pesquisa e extensão. “As universidades precisam perseguir uma quarta missão: contribuir mais ativamente para a qualidade de vida da população e para a geração de riqueza com sustentabilidade. A universidade brasileira do futuro tem a missão de atuar como agente para que essas transformações ocorram, ela tem credibilidade, competência, e condições de aumentar seu protagonismo no Estado e na sociedade”, avaliou Prata.

Já o professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, Fernando Sarti, ressaltou o papel protagonista da universidade pública brasileira como vetor essencial das mudanças estruturais e de desenvolvimento econômico, tecnológico, social, ambiental, inclusivo e soberano. “A universidade pública é um investimento que gera retornos econômicos e sociais, mas apesar da excelência acadêmica traduzida na formação de recursos humanos, pesquisa básica e aplicada, na assistência na saúde e atividades de extensão, ela segue ainda desconhecida, indiferente e ou perseguida por uma parcela significativa da sociedade. A consolidação e conquista da autonomia financeira, administrativa e didático-científica depende do fortalecimento das pontes com a sociedade”, afirmou Sarti.

Expansão, inclusão e qualidade do ensino superior
A mesa com o tema Expansão, inclusão e qualidade do ensino superior teve como palestrante Márcia Brito, da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que destacou a interação entre a universidade e a formação de docentes para as outras etapas do ensino. “Estreitar os laços entre as prefeituras e as universidades é uma meta urgente que temos. As universidades precisam estar presentes nesse processo de integração entre formação inicial e continuada, que é componente essencial para a profissionalização docente”, ressaltou Márcia.

A atividade docente também foi um dos temas da fala do presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Ângelo. “Temos várias demandas urgentes na Educação, dentre elas a valorização da atividade docente. Temos estudos que apontam que em 2040 poderemos ter um apagão generalizado de professores para a educação básica brasileira, cuja formação tem que estar alinhada aos currículos estabelecidos pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Para a educação no futuro temos que tentar atender essas demandas para superá-las, caso contrário o futuro chega e ainda estaremos nessa encruzilhada”, alertou Ângelo.

A formação de jovens para o mercado de trabalho e as universidades foram ressaltadas por Felipe Morgado, superintendente de Educação Profissional e Superior do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), órgão integrante do sistema da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Nosso grande desafio é a união de esforços entre a universidade, setor produtivo e as instituições de educação profissional e básica em torno do futuro do trabalho e de uma formação para a juventude, na qual o Brasil passa a ser mais produtivo e competitivo. Vale destacar a importância da inovação como agente indutor desse processo, e o Senai e CNI contam sempre com as universidades nesse processo de desenvolvimento do país”, disse Morgado.

Expansão, inclusão e qualidade do ensino superior
A última mesa do primeiro dia do Seminário teve por tema Expansão, inclusão e qualidade do ensino superior. Maria Leopoldina Veras Camelo, vice-presidência de Assuntos Acadêmicos do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação profissional, científica e tecnológica (Conif), detalhou as modalidades de ensino da Rede de Institutos Federais e ressaltou os dados de produção da rede. “Realizamos mais de 11 mil projetos de pesquisa aplicada, 7 mil projetos de extensão, 82.230 servidores entre docentes e técnicos administrativos em 526 programas de pós-graduação, que resultaram em mais de 400 registros de depósitos de patentes em 2022”, apontou a vice-presidente do Conif.

O reitor da Universidade Regional do Cariri (CE) e presidente da Associação Brasileira das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), Francisco do O’ de Lima Júnior, salientou que o papel da universidade é encampar as grandes causas da sociedade: “temos que promover a redução de assimetrias, o acesso ao mercado de trabalho, a geração de renda com sustentabilidade ambiental, promover a cultura e diversidade do patrimônio e avanços tecnológicos, de redes, dados e conectividade”.

A mesa foi encerrada com a participação da presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), Elizabeth Guedes, destacando a inserção regional e local das instituições particulares. “Representamos perto de 4 milhões de alunos dos 8 milhões totais [no ensino superior brasileiro]. Estamos em mais de 2 mil municípios brasileiros, e com muita relação com as comunidades locais, mas a maior parte é de instituições pequenas. Das 2.500 instituições privadas de ensino superior, mais de duas mil têm menos de 2.500 alunos. Temos também interesse em desenvolver a educação brasileira, de qualidade, mas muitas faculdades pequenas precisam de apoio”, afirmou Elizabeth.

Após o encerramento do primeiro dia, os participantes do Seminário se dirigiram à sede do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, onde presenciaram uma sequência de eventos culturais: o conjunto de música antiga da UFF, a companhia de dança da UFRRJ, os pianistas Ronal Silveira, da UFRJ, e Ernesto Hartmann, da Unirio, o duo de chorinho composto pela professora do CEFET-RJ, Daniela Spielman e da UFRJ, Sheila Zagury, além de um coquetel no espaço que contava com a exposição de arte da UFRRJ com o tema “Olhares, devaneios e técnicas em Belas Artes”.

Ciência, tecnologia, inovação e sociedade
O segundo dia do Seminário se iniciou com a mesa Ciência, tecnologia, inovação e sociedade, com apresentação do vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jailson Bittencourt de Andrade, que destacou o papel da inovação como principal evento da era moderna. “O Brasil tem uma estratégia nacional de ciência, tecnologia e inovação, aprovada em 2016, que junta desenvolvimento econômico e social, na qual ambiente econômico, ciência e tecnologia são tratados de forma igual, sem diferenciação. Os pilares são educação e pesquisa básica. Por isso, é preciso educar para inovar e inovar para educar, e a universidade deve ser este local privilegiado da inovação”, disse o vice-presidente da ABC.

Na sequência, a professora da UFRJ, Tatiana Roque, chamou a atenção para o negacionismo, a desinformação e a pós-verdade como problemas globais que desencadeiam uma crise de confiança na ciência. “Essa crise desafia a noção generalizada de que ceticismo científico resulta da falta de conhecimento. Não basta abordar os déficits de informação para combater o ceticismo científico. As pessoas não veem benefícios direto da ciência nas suas vidas. O negacionismo é uma arma de um projeto político que tem tido repercussão em todo o mundo e no Brasil chegou ao seu estágio mais avançado. A estratégia para combater o negacionismo deve ser institucional nas universidades, para fazer essa mediação entre ciência e sociedade”, ponderou Tatiana.

A educação no futuro
A palestra de encerramento do Seminário foi proferida pelo ex-reitor da Universidade de Lisboa, António Manuel Seixas Sampaio da Nóvoa, que realizou a apresentação Educação no Futuro – Coragem e Humildade. Para Nóvoa, o futuro não se prevê nem se planifica, o futuro inventa-se. “O melhor que podemos fazer é criar as condições, nas nossas escolas e universidades, para que haja diversidade de soluções e liberdade de inciativa na construção dos futuros. Estamos a viver a maior transformação na história das universidades, hoje, depois da pandemia. As instituições não vão ficar iguais. O desenvolvimento vai ser de outra maneira, com uma ciência aberta, convergente e cidadã”, iniciou Nóvoa.

Para o ex-reitor da Universidade de Lisboa, o digital, que ganhou relevância ainda maior após a pandemia, vai criar novos ambientes educativos, vai revolucionar as pedagogias e instituições. Este movimento tecnológico se somará a um fato demográfico: o aumento da esperança de vida está mudando radicalmente nossas sociedades. “São novos públicos e uma revolução intergeracional. Nas universidades, nosso público típico não vai ter mais vinte anos, vai ter trinta, quarenta anos”, disse Nóvoa.

Para o professor português, as grandes universidades do mundo debatem internamente hoje a pedagogia do ensino superior, e externamente reforçam o compromisso das universidades com a educação pública. “Para esse compromisso ser assumido em sua plenitude, deve ser assumida a missão [das universidades] da formação de professores da educação básica. Formação é uma situação grave no mundo. Faltam professores, são mal formados, têm um sentimento de desvalorização. É uma situação ainda mais grave no Brasil, porque a maioria dos professores é formada em cursos privados, à distância, e há um certo desinteresse das universidades públicas por esta matéria e missão. Formação de professores é um tema de toda a universidade, não só da pedagogia, e para tanto é necessário criar um novo arranjo institucional, no qual se concretize um novo contrato social pela escola pública e pelos professores”, concluiu Nóvoa.

Ao comentar a palestra de Nóvoa, a reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Denise Carvalho, destacou que o sistema de ensino superior brasileiro se desenvolveu, cresceu, mas não o suficiente para transformar a sociedade brasileira em menos desigual, e a formação de professores está no centro desse desafio. “As universidades terão que formar professores que terão alunos diferentes dos alunos do século vinte. Os professores somos muito conservadores, continuando com as aulas tradicionais, que precisam ser abandonadas. Neste sentido, há inciativas em diferentes universidades do Brasil, porque somos muito diversas, e temos muito a compartilhar para ensinar e aprender”, afirmou a reitora da UFRJ.

“Passamos os últimos tempos combatendo coisas importantes, como a Covid e, também, os ataques às universidades. E, felizmente, parece que agora podemos dirigir nossas energias para a criação, construção e avanço da educação, ciência e tecnologia. Tivemos reunidos aqui as entidades de educação mais importantes do país, com gestores do ensino superior e gestores da educação básica que, somados, representam quase 100% dos alunos destes dois níveis no Brasil. Esse Seminário foi o primeiro de um ciclo de palestras que tenho certeza que, assim como este, serão muito relevantes e altamente produtivos. Pretendemos, nos próximos, reunir também as entidades representativas dos trabalhadores em educação e dar uma atenção especial para a educação básica”, afirmou o secretário-executivo da Andifes, Gustavo Balduino.

No encerramento do evento, a diretoria-executiva da Andifes agradeceu aos reitores das cinco instituições fluminenses anfitriãs do Seminário: Roberto de Souza Rodrigues (UFRRJ), Antônio Claudio (UFF), Ricardo Silva Cardoso (Unirio), Denise Pires de Carvalho (UFRJ) e Maurício Saldanha Mota (CEFET-RJ). O presidente da Andifes, Ricardo Marcelo, agradeceu a presença de todos os participantes do seminário e ressaltou a amplitude do evento ao incluir diferentes entidades da educação, ciência e tecnologia em sua programação e debates. “Esse seminário mostra que temos um arco maior, com Undime, Consed, ANUP, ABC, Inep, Conif, mostramos que as pautas das universidades e as pautas de todo o sistema educacional têm muitos elementos em comum. Primeiro, queremos qualidade. E neste sentido, essa ideia de que precisamos perseguir a qualidade, olhar para o futuro e para a educação como prioridade de Estado. Este primeiro seminário, com várias instituições, coloca a Andifes no centro das articulações do pensamento do futuro da Educação brasileira”, concluiu o presidente da Andifes.

Conjunto de música antiga da UFF.

Companhia de dança da UFRRJ.

Pianista Ernesto Hartmann, da Unirio.

Pianista Ronal Silveira, da UFRJ.

O duo de chorinho composto pelas professoras do CEFET-RJ, Daniela Spielman, e da UFRJ, Sheila Zagury.