Andifes trata sobre formação de professores em seminário realizado em Recife

No Brasil, até 2022, havia mais de dois milhões de docentes e, destes, 61% concentrados na educação básica. Quase metade, 49% das unidades educacionais brasileiras está sob a responsabilidade dos 5.568 municípios do país. Diante desses dados, pensar a formação de professores e professoras é essencial para o desenvolvimento da educação no Brasil, em todos os seus níveis. E a Andifes, embora representante das universidades federais e do Ensino Superior público, como tem sido ao longo de seus 34 anos de atuação, trata também a Educação Básica como pauta prioritária.

Neste sentido, a entidade realizou, em Recife (PE) nos dias 18 e 19 de maio, o Seminário Andifes Formação de Professores, reunindo especialistas de diferentes regiões do país para avaliar desafios, debater e propor avanços nos processos e políticas de formação de professores e professoras da Educação Básica brasileira.

“Esse seminário, a exemplo do que realizamos no Rio de Janeiro, em novembro passado, e do que teremos em Santo André, em junho, constitui um conjunto de discussões que se voltam a uma reflexão que nossas instituições e nós, os dirigentes das universidades federais, temos que fazer sobre a educação brasileira”, destacou o reitor Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR), presidente da Andifes, na abertura do evento.

Ricardo Marcelo falou sobre o compromisso de as universidades federais estarem envolvidas com os problemas do Brasil, e, em particular, na formação de professores e nos diálogos com os outros níveis da educação. “Compromisso que reafirmamos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Educação, Camilo Santana, nas audiências que a Andifes teve no Planalto e no MEC desde janeiro”.

A aproximação das universidades federais com as escolas públicas brasileiras, do ensino básico e fundamental, foi a tônica das falas de diferentes especialistas, pedagogos, e representantes do MEC e de autarquias do Governo. Já na primeira mesa, o tema tratado foi Panorama Conceitual e Histórico da Formação de Professores, mediada pelo presidente da Andifes.

“Entendemos que a formação de professores universitários se baseia nos artigos e produção acadêmica, mas também na convivência com professores da Educação Básica. É importante que as universidades tenham um projeto institucional, político e pedagógico de formação de professores, com unidade entre teoria e prática atravessando todo o curso, trabalho coletivo e multidisciplinar como eixo norteador do trabalho docente. Não dá para pensar em um trabalho não interdisciplinar nas nossas licenciaturas”, destacou a primeira palestrante, Leda Scheibe, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O distanciamento das instituições educativas no processo de formação, concentrando a teoria no início dos cursos de licenciatura, e as questões mais práticas no final foi um dos pontos abordados por Gisele Masson, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). “Para superarmos essa perspectiva pragmatista, temos que ter perspectivas pautadas na unidade teórico-prática. Formação sólida nos fundamentos dos diferentes campos do conhecimento da área de educação. Não há uma boa prática sem uma boa formação teórica. É necessário realizar cursos de formação continuada para professores da Educação Básica, com a urgente retomada de programas do governo federal, a fim de impedir o avassalador avanço dos interesses privados na formação da educação pública. Precisamos trazer mais a escola pública para dentro da universidade para dialogar conosco e pensar a formação pública de professores”, disse Gisele.

Já o professor Flávio Brayner, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), levantou questionamentos sobre como conciliar competitividade, performance, ranqueamento, empreendedorismo e resultados mensuráveis com uma universidade solidária, consciente, crítica, democrática, pública e socialmente comprometida em um projeto de formação de professores. “Acreditamos que a chamada ‘consciência crítica’ é fator fundamental na formação do professor. Um professor é alguém que se coloca deliberadamente em uma encruzilhada: o tempo e o espaço. Precisa conhecer o que foi dito e pensado antes dele, e precisa apontar caminhos possíveis”, salientou Brayner.

Na segunda mesa, sob o tema Formação de Professores, Realidade e Desafios, mediada pelo vice-presidente da Andifes, reitor Dácio Roberto Matheus (UFABC), a avaliação dos cursos de formação de professores foi o tema da fala de Suzi Mesquita Vargas, coordenadora geral de Gestação de Exames e Indicadores da Educação Superior (DAES/INEP). “No ano que vem, o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) vai fazer 20 anos, o que é uma janela de oportunidade para o aprimorarmos, e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), realizado com estudantes concluintes dos cursos, é um dos processos avaliativos previstos para a operacionalização do Sinaes. Nos cursos com maior nota do Enade, quase 41% dos concluintes se torna professor. Nos menos bem avaliados, esse número é de 20%. Ou seja, uma boa formação estimula o aluno a se tornar um profissional da educação”, ponderou Suzi.

Já Samira Zaidan, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontou uma necessária renovação do modelo de formação de professores, tendo em vista a profissão docente na Educação Básica. “Os cursos de licenciatura estão pautados na perspectiva da ciência, e não da formação profissional. O docente tem uma especificidade da prática profissional a considerar, um conteúdo próprio, e um conjunto de cultura e aspectos profissionais que são próprios de professores de qualquer área, e esses conteúdos chegam com muita dificuldade ou não chegam nas faculdades específicas. A prática docente demanda um conteúdo específico e especializado próprio da docência. Precisamos ter um lugar próprio para a formação docente na universidade, como nos demais cursos. Precisamos instigar uma cultura da docência na universidade, e criar um centro de formação docente ou a faculdade da docência, um lugar para articular formação inicial com continuada”, afirmou a professora.

Chão da escola

A presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação de Sergipe (Undime-SE), Josevanda Franco, destacou ser necessária a redução do fosso entre a formação de professores e o “chão” da escola. “Há um apego e saudosismo de uma escola que não existe mais, que não consegue acompanhar e atrair o adolescente. Os números mostram isso. Na Educação Infantil temos bons números de acesso, mas isso se reduz drasticamente no Ensino Médio, porque, nessa etapa, o aluno tem capacidade de decidir se quer continuar ou não. Precisamos agora ensinar os professores como é que se faz, como pegar um aluno de uma condição socialmente frágil e tira-lo dessa condição, para que ele possa ser gradativamente desenvolvido. Três aspectos são fundamentais para a construção de um novo paradigma para a formação de professores: formação integral, aproximar a prática da teoria e, por fim, valorização da carreira, que é maior do que apenas o pagamento de pisos e salários. Trazer a extensão e a pesquisa para a Educação Básica é fundamental, e só podemos fazer isso com a academia, com a aproximação e intersetorialidade”, considerou Josevanda.

A última mesa do primeiro dia do Seminário teve por tema Formação de Professores, Realidade e Perspectivas, moderada pelo reitor Marcelo Pereira de Andrade (UFSJ). A diretora de Formação Docente e Valorização dos Profissionais de Educação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Cybele Amado de Oliveira, trouxe um breve panorama das ações da Secretaria na formação de professores. “A formação continuada não é para sanar falhas da formação inicial. Faz parte da nossa profissionalidade. Todas as propostas de avaliação que estamos fazendo trazem uma teoria. Formamos um grupo de trabalho para elaboração no novo Plano Nacional de Educação (PNE), que será vigente de 2024 a 2034. A ideia é a criação de Centros Territoriais de Formação para professores, gestores e equipes técnicas em todos os estados do país, num regime de colaboração entre universidades, redes estaduais e municipais de educação, com a possibilidade de ter recursos, desenvolver uma política nacional, e ancorar todos os programas já desenvolvidos nesse país”, explicou Cybele.

A diretora de formação de professores da Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do MEC, Márcia Serra Ferreira, destacou os programas e plataformas da Capes voltados à formação docente. “Os programas da Capes são, ao mesmo tempo, programas de formação inicial e que nos fazem olhar para nossa formação. A Plataforma Freire reúne dados importantes dos gestores, dos cursistas, das universidades, é um espaço de produção e olhar para essa política, reúne dados sobre estudantes de licenciatura, professores da Educação Básica e gestores das redes públicas de ensino. Queremos um investimento maior na plataforma para que ela se torne uma ferramenta melhor. A ideia é, junto com Inep e MEC, construir uma forma de monitorar e analisar essas políticas mais de perto, e aí contamos com os gestores da Educação Básica e das universidades. Por isso, é importante que tenhamos centros coletivos de formação de professores. A autonomia universitária também é capaz de ser utilizada para a produção de boas soluções, e é nessa parceria que a Capes trabalha, e o MEC também aposta”, afirmou Marcia.

Ao término do primeiro dia de evento, os participantes foram recepcionados no Salão Nobre da Faculdade de Direito de Recife, da UFPE, para uma atividade cultural com performance típica de Pernambuco. O duo formado por Cícero Sebastião da Silva Santos, o Ciço do Pife, artista e produtor cultural, músico, compositor, poeta e cordelista da Universidade Federal de Pernambuco e por Maria Flor, cantora, compositora, instrumentista, atriz, passista de frevo, produtora, mestranda em música e integrante da Orquestra Experimental de Frevo da UFPE, realizou uma apresentação de dança, música e cordel.

Segundo dia

O segundo dia do Seminário se iniciou com a mesa Modelo de Formação Inicial de Professores em Debate, mediada pelo vice-presidente da Andifes, reitor Evandro Soares da Silva (UFMT). O professor da Universidade Federal de Goiás, Luiz Fernandes Dourado, em participação remota, destacou a formação inicial docente como horizonte de melhoria contínua da qualidade da educação. “A formação docente deve ser construída em bases científicas e técnicas sólidas, que contribua para uma nação soberana, justa e inclusiva, atenta ao reconhecimento e valorização da diversidade, algo que está muito antenado com a Constituição Federal. Sabemos que nossas universidades têm uma grande expertise envolvendo centros de formação, e isso pode ganhar mais organicidade. Há uma perspectiva de integração com o que é feito em nossas universidades, entre formação inicial e formação pós-graduada”, ressaltou Dourado.

Já para o professor da UFPE, Janssen Felipe da Silva, a formação de professores deve ser entendida como um patrimônio do Brasil. “A formação da Educação Básica é o início da nossa formação cidadã, por isso, devemos entendê-la como um patrimônio. As universidades federais, por sua vocação na relação ensino, pesquisa e extensão, precisa se tornar cada vez mais protagonista em políticas internas para a formação de professores. Não podemos falar de um modelo único de formação de professores, podemos falar, sim, de uma base comum nacional, constituída de princípios e valores. Para isso temos que ter a perspectiva da formação de profissionais de educação, não de profissionais de ensino. A interculturalidade precisa ser um princípio formativo de todas as professoras e professores. Dentro das universidades temos que ter uma aproximação cada vez maior da pós-graduação com a formação continuada, com editais que tragam a formação dos professores da Educação Básica para a pós-graduação, e alimentar a formação continuada através de pesquisas das nossas pós-graduações”, avaliou.

Na última mesa, o coordenador nacional do Colégio de Pró-Reitores de Graduação das IFES (COGRAD), Jerônimo Siqueira Tybusch, salientou a necessidade de aproximação entre a universidade e a Educação Básica. “Precisamos ter um pouco dessa visão prática e vivência de escola para pesquisar política pública de formação e educação. Toda e qualquer decisão para essa política pública tem que ser dialogada com a Educação Básica. A oportunidade que temos aqui é de fazer um debate sério de uma política pública de formação inicial e continuada”, avaliou.

Coordenando a última mesa, o vice-presidente da Andifes, reitor Alfredo Macedo Gomes, fez uma síntese dos debates no Seminário. “Quando falamos de maneira geral da Educação Básica, estamos falando de 50 milhões de matrículas, das quais, aproximadamente 43 milhões estão no sistema público. Cabe às universidades uma tarefa de muita responsabilidade, fortalecer de forma estratégica as políticas nacionais. Este seminário, assim como os demais realizados pela Andifes, permite discutir temas que são relevantes e atuais, que implicam também na atualização e revisão de políticas públicas. As apresentações e debates foram de alto nível. Fica em pauta a busca por uma política nacional de formação de professores. Vamos avaliar quais os pontos centrais que orientariam a Andifes nessa conjuntura que se apresenta nacionalmente”, afirmou.

Além da UFPE, foram anfitriãs do seminário em Recife a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e a Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape).