Andifes trata sobre Interdisciplinaridade, Inclusão e Excelência no Ensino Superior em seminário na UFABC

Repensar a universidade, sua inserção social e a incorporação de novas tecnologias, relacionando diferentes disciplinas em um modelo que responda às necessidades pedagógicas dos estudantes e modernize as formas e conteúdo das aprendizagens. Estes são alguns dos temas tratados no Seminário Interdisciplinaridade, Inclusão e Excelência no Ensino Superior, promovido pela Andifes, na quinta-feira, 15, e sexta-feira, 16, na Universidade Federal do ABC, em Santo André (SP).

Este seminário marca o encerramento de um ciclo, iniciado em novembro de 2023, com o objetivo de debater diferentes aspectos da universidade do futuro, seus avanços e desafios. “A Andifes reafirma seu papel estratégico e central, e seu protagonismo organizando esse conjunto de atividades e seminários para fazer uma reflexão prospectiva sobre o nosso entorno e sobre a atuação da nossa universidade pública. Em três grandes seminários, a Andifes buscou pautar e contribuir com mudanças tão necessárias”, afirmou o presidente da Andifes, reitor Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR).

Ricardo Marcelo foi o moderador da primeira mesa do seminário, com o tema Inovação em Projetos e Práticas Pedagógicas no Ensino Superior, que teve a participação do vice-presidente da Andifes, reitor Dácio Roberto Matheus (UFABC), do ex-reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, e de Elizabeth Balbachevsky, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.

Dácio Matheus apresentou a experiência da implantação do projeto pedagógico para o ensino superior iniciado na UFABC há dezesseis anos, cuja grande novidade foi a criação dos bacharelados das licenciaturas interdisciplinares. “Apresentamos a perspectiva de uma experiência que possa ser inovadora e inspirar outras relações entre nossas universidades na construção de um ensino superior que precisa ser reformulado e representar avanços para a sociedade contemporânea. É indissociável a questão da interdisciplinaridade com as políticas afirmativas e o fortalecimento da relação com a educação básica, pensando o sistema de educação como um sistema integrado da educação básica à superior”, detalhou Matheus.

O ex-reitor Marcelo Knobel detalhou a experiência do ProFIS, curso de ensino superior multidisciplinar da Unicamp voltado a estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas de Campinas. “Vamos em cada escola pública de Campinas e convidamos o melhor aluno de cada escola, pela nota do Enem, para entrar em uma turma de 120 alunos. Temos, pelo menos, um representante de cada escola pública de Campinas, numa espécie de cota geográfica. Esses alunos passam dois anos na universidade, já como alunos, com aulas de formação geral. Passados esses dois anos, eles podem escolher qualquer curso da Unicamp para seguir sua formação”, explicou.

Segundo Knobel, a implementação do ProFIS apontou alguns dados interessantes. “Descobrimos que 70% das escolas públicas de Campinas nunca tinham colocado um aluno sequer na Unicamp. Conseguimos, com esse programa, aliar inclusão social a formação geral. Na média, 90% da turma é a primeira geração na universidade, 80% desses tem renda familiar média inferior a um salário mínimo, e 40% são pretos e pardos”, afirmou.

Já Elizabeth Balbachevsky avalia que a universidade passa por uma mudança profunda e radical em escala global, em um reposicionamento da universidade dentro da chamada economia do conhecimento. “A universidade foi chamada a tomar um papel muito mais central nas dinâmicas de inovação. É uma das engrenagens centrais dessa nova sociedade, e isso impõe mudanças importantes na universidade, do ponto de vista pedagógico. Precisamos começar a pensar como aliar as ferramentas da inteligência artificial em nosso ensino e como vamos preparar nossos estudantes para esse admirável mundo novo que está surgindo”, destacou Elizabeth.

Inclusão e acessibilidade

A primeira mesa da tarde teve como tema Inclusão com Excelência no Ensino Superior e foi moderada pelo vice-presidente da Andifes, reitor Evandro Soares (UFMT), com a participação de Eniceia Mendes, coordenadora-geral de Estruturação do Sistema Educacional Inclusivo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, e de José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.

Ao comentar o processo de ampliação da inclusão no sistema educacional brasileiro, Eniceia afirmou que a literatura aponta para a ideia de substituição do termo inclusão por acessibilidade policêntrica. “Não é só ingressar, esse aluno tem que aprender, participar da vida acadêmica e, saindo dali aquele diploma tem que servir para a inserção profissional da vida dele. Hoje pensamos menos nos termos de inclusão, que é muito abstrato. Na acessibilização universal vem a ideia de que temos que contemplar a diversidade. Precisamos pensar como melhorar e qualificar o ensino, ensinar usando tecnologia e dando protagonismo para o aluno. Na cultura inclusiva, a estratégia de aprendizagem envolve colaboração. Acessibilidade diz respeito a todos, e todos nós temos responsabilidade em acessibilizar o ensino”, detalhou Eniceia.

A experiência das universidades negras norte-americanas do século 19 foi basilar para o desenvolvimento da Universidade Zumbi dos Palmares, contou o reitor José Vicente. “São 134 universidades negras americanas, 80% delas públicas, e a mais jovem, de 1837, na Pensilvânia. Na Howard University, 80% dos professores são negros e a mais famosa egressa é a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris. A Universidade Zumbi dos Palmares, baseada nessa experiência, foi fundada em 2001”, contou Vicente.

Segundo o reitor, algumas questões, como contratação de professores e cotas, por exemplo, foram centrais para o estabelecimento da universidade nesses vinte anos. “Na época, tivemos muitas dificuldades para encontrar os professores negros, de acordo com as exigências do MEC, mas, no final, conseguimos alcançar 60% de professores negros em nossos quadros docentes. Houve também três dimensões importantes: as cotas fluíram nas universidades públicas, alcançaram seus objetivos e trouxeram resultados significativos, seja na presença dos negros, hoje em 40% nas universidades públicas, seja pela contratação no mercado de trabalho. A legalidade [das cotas] foi determinada pelos tribunais e chegamos, agora, nas empresas, dizendo em alto e bom som que a diversidade importa e gera valor. As ações afirmativas chegaram no corpo discente, mas precisam chegar no corpo docente, na pesquisa e na pós-graduação”, afirmou José Vicente.

Pesquisa e inovação

Já a mesa Pesquisa, Extensão e Inovação, teve a participação de Marco Antônio Zago, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Aroaldo Oliveira da Silva, da Agência de Desenvolvimento Econômico Grande ABC, e Raiane Assumpção, reitora da Unifesp e mediadora da mesa.

Em sua apresentação Pesquisa, Extensão e Inovação nas Universidades Brasileiras: Relações e Indissociabilidade, Marco Antônio Zago destacou que é necessário o aumento e estabilidade do financiamento das universidades federais para reforçar os sistemas regionais de Ciência e Tecnologia. “Temos que trabalhar para constituir sistemas regionais de Ciência e Tecnologia que tenham mais estabilidade. Isso exige recursos, mas eles serão sempre proporcionais à economia da região. Precisa de convicção que este é um instrumento fundamental do desenvolvimento, tem que entrar como prioridade do governo local”, avalia Zago.

A região do ABC é o quarto maior mercado consumidor do país, atrás apenas de SP, RJ e DF, e é o berço da indústria automobilística nacional, com crescente participação do setor de serviços, e responde por 3,5% do total de exportações do Brasil, destacou Aroaldo da Silva, da Agência de Desenvolvimento Econômico Grande ABC. Ele salientou a diversidade de cadeias produtivas da região, com indústrias do setor automotivo, químico e petroquímico, metalmecânico, cosmético e moveleiro, dentre outros, mas lembrou que o adensamento tecnológico vai levar a perda de empregos nesses setores.

“Estamos trabalhando para ajudar a região na transição para o setor de serviços e na sua reconversão industrial, dialogamos muito com a UFABC, vendo como pensar novas políticas de inovação, as novas cadeias de valor. A indústria brasileira já representou 35% do PIB [Produto Interno Bruto] e hoje está em menos de 10%, e o Brasil foi de 9ª para 16ª economia do planeta. Só vamos conseguir nos desenvolver com a indústria, que é quem gera emprego e cria grandes cadeias. Para organizarmos a política de inovação, os governos têm que estar convencidos que a inovação traz frutos econômicos e sociais, e as universidades e ICTs [Instituições de Ciência e Tecnologia] trabalhando em conjunto”, afirmou Silva.

Raiane Assumpção encerrou a mesa lembrando que a ausência de investimento adequado leva à chamada “fuga de cérebros” que as universidades e o país vivenciam. “Temos a fuga de cérebros por ausência de financiamento, reconhecimento e infraestrutura, mas também tem a fuga dos cérebros que não chegam na universidade. Temos o desafio de pensar o quanto de conhecimento é produzido a partir da experiência de povos tradicionais, mas não conseguimos fazer o diálogo a partir desse território. Quando falamos de produção de conhecimento na universidade, estamos falando que isso tem que ser na indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. Inovação é quando eu pego algo produzido dentro do laboratório e levo para as outras instâncias, para o ensino e extensão, e para a sociedade”, concluiu Raiane.

Inteligência artificial e tecnodiversidade

No segundo dia do seminário, foi realizada a mesa Tecnologias, Educação e Inteligência Artificial, com Ricardo Ramos Fragelli, da Universidade de Brasília (UnB) e Sergio Amadeu da Silveira, do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da UFABC, mediada por Ana Beatriz de Oliveira, reitora da Universidade Federal de São Carlos.

Ricardo Fragelli apresentou algumas metodologias de ensino desenvolvidas por ele ao longo dos últimos anos, com o foco em aprendizagem ativa e colaborativa, direcionadas para educadores que querem estimular a integração em sala de aula. As metodologias comentadas pelo professor da UnB têm o foco em grupos colaborativos e metas planejadas, com avaliação de aprendizagem contínuas.

Segundo Fragelli, as metodologias foram desenvolvidas para “aproveitar ao máximo a colaboração entre os estudantes, reduzindo o número de alunos isolados em sala de aula”. Ele ressalta o resgate necessário das características do que é ser professor e quais sonhos o inspiram. “Deveríamos ser pontes para novos sonhos, para que uma criança, independentemente da cor ou gênero, pudesse ter um sonho do tamanho de sua curiosidade”, ressaltou.

Sergio Amadeu falou sobre Tecnologias, Educação e Inteligência Artificial no Ensino Superior, quando discutiu modelos de linguagem natural e o que ele considera grandes modelos de aprendizado, que são a base dos programas de inteligência artificial. “Quanto mais dados de treinamento forem disponibilizados, mais informações o modelo vai ter para aprender as características que estão nos dados. O ChatGPT foi treinado por 176 bilhões de parâmetros e 490 bilhões de tokens [textos, pedaços de textos]. Há um custo de treinamento para os modelos de linguagem, que não seria viável para uma universidade brasileira assumir sozinha”, explicou Amadeu.

Segundo o professor da UFABC, o mundo vive uma economia baseada em dados e isso afeta a ciência, a educação a soberania e a tecno diversidade. “Em 2019, apenas cinco plataformas globais (Amazon, Apple, Google, Microsoft e Facebook) faturaram 899 bilhões de dólares. Essa quantia equivale a 48% do PIB do Brasil. Essas grandes empresas dominam 78% do fluxo de dados nas universidades. Estamos vivendo uma concentração econômica que segue a concentração de dados. Precisamos discutir a soberania digital, de dados, porque ela é fundamental para manter a tecnodiversidade. Temos que ter um data center federado nosso, e garantir infraestrutura para as universidades que quiserem aderir”, afirmou Amadeu.

Encerramento

A mesa de encerramento foi formada pelo reitor vice-presidente da Andifes, reitor Dácio Matheus (UFABC), pelo vice-presidente da Andifes, reitor Evandro Soares da Silva (UFMT), pela reitora Raiane Assumpção (Unifesp), por Ana Beatriz de Oliveira, reitora da UFSCar e pelo secretário executivo da Andifes, Gustavo Balduino. Ao fazer um balanço do evento, Dácio Matheus destacou a profundidade dos debates e ressaltou a questão da inclusão com excelência nas universidades federais. “Avançamos muito nos últimos anos, ao incorporar em nossas comunidades a necessidade da inclusão com o conceito do acesso”, disse.

O vice-presidente Evandro Soares destacou o debate sobre a diversidade. “Tivemos uma boa discussão sobre inclusão, que está inserida na questão dos direitos fundamentais, tivemos muitas visões e proposições e, em uma discussão sobre inteligência artificial, voltamos a colocar a questão da diversidade, da multiculturalidade, da transdisciplinaridade e da cultura como resultado da transformação social, e a diversidade trouxe também a questão da inclusão”, detalhou.

Ana Beatriz salientou nas diferentes discussões o importante papel da extensão. “Na minha avaliação, através da extensão conseguimos trabalhar a flexibilização curricular, a inovação pedagógica, a interdisciplinaridade, mas precisamos alcançar a questão do financiamento. Reconheço o desafio que temos de desmistificar o que é extensão dentro de nossas universidades, notamos uma ignorância dos nossos colegas sobre o que é a extensão e o papel que ela tem. Enxergo na extensão um potencial enorme para avançarmos”, afirmou a reitora da UFSCar.

Raiane Assumpção afirmou o que o seminário propiciou “a discussão de temas que são cruciais e que tem nos desafiado no cotidiano do nosso fazer de gestão em nossa universidade. Os temas abordados nos colocam desafios que são de várias dimensões, e que muitas vezes somos provocados por nossa comunidade. Temos respostas de várias ordens, tem as que devem ser dadas no sentido pedagógico, mas também como política institucional no interior das nossas universidades. Esse seminário foi potente, porque, ao mesmo tempo que colocou a amplitude de nossos desafios, os debates vão também nos dando elementos para irmos direcionando cada uma dessas preocupações, construindo caminhos na interlocução”, frisou a reitora da Unifesp.

O secretário executivo da Andifes, Gustavo Balduino, ressaltou a importância do ciclo de debates realizado pela Andifes. “Após a pandemia, veio o desafio de imaginarmos como seria a educação e a universidade do futuro. O aluno que vai entrar na universidade daqui a 20 anos já está na escola hoje, e o professor daqui a 20 anos já está se formando hoje na graduação. Então, para prepararmos a universidade daqui a 20 anos, temos que olhar para quem já está na escola agora, o aluno, o professor e o servidor. Pensamos, então, um modelo em que era necessário reunir atores relevantes da educação e ver suas perspectivas. O papel da Andifes é olhar o todo, protagonizar e liderar, e os seminários devem ser analisados em conjunto, nos quais a universidade federal está olhando para o Brasil em uma perspectiva de longo prazo. A universidade do futuro tem que ser discutida agora, não podemos esperar o futuro chegar”, concluiu Balduino.

Assista a íntegra do Seminário Andifes Interdisciplinaridade, Inclusão e Excelência no Ensino Superior: