Ciência na Amazônia, para a Amazônia – Por Emmanuel Zagury Tourinho

A Amazônia está na mídia e na moda. São recorrentes as referências às suas riquezas naturais, à sua importância para o clima global, aos seus povos tradicionais, à sua cultura e à sua culinária. A Amazônia aparece também em muitos debates e documentos oficiais sobre ciência e tecnologia, neste caso já há pelo menos duas décadas e com um foco na necessidade de haver políticas públicas voltadas ao aproveitamento sustentável da sua biodiversidade e à melhoria da qualidade de vida da população. Tais políticas, no entanto, nunca se materializaram. Seria injusto dizer que nada foi feito pelo avanço da ciência na Amazônia. Aqui e ali, algum edital de agência federal de apoio à pesquisa ou à pós-graduação destina recursos à região. Mas, em substância, o financiamento do desenvolvimento científico da Amazônia continua onde sempre esteve, em um patamar de insuficiência e assimetria. As instituições e os(as) pesquisadores(as) da região continuam tendo acesso a cerca de 5% ou menos dos recursos federais destinados à pesquisa, apesar de reunirmos aproximadamente de 10% da população e 10% do PIB nacional. Não se pode dizer que isso ocorre por falta de capacidade local para a pesquisa. A Universidade Federal do Pará, a título de exemplo, é a sexta instituição brasileira em número de programas de pós-graduação. Capacidade análoga de pesquisa é encontrada nas demais universidades públicas e nos institutos de pesquisa da região.

Se é verdade que, em matéria de ciência e tecnologia, a preocupação com a Amazônia, mesmo que apenas retórica, já tem sido uma realidade há décadas, é preciso reconhecer que algo novo está acontecendo. Agências estaduais de apoio à pesquisa, em estados não amazônicos, têm publicado editais para o apoio à pesquisa da Amazônia; universidades de estados não amazônicos têm criado redes de pesquisa para o estudo da Amazônia e o principal fundo financeiro destinado a ações, inclusive científicas, voltadas à conservação do bioma amazônico, gerenciado por organismo não amazônico, diga-se de passagem, acumula doações recordes. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), por seu turno, acabou de ter seus recursos, que ultrapassam R$4 bilhões, descontingenciados pelo governo federal e certamente também destinará parte desse valor a pesquisas da Amazônia.

Para o país, tudo que puder ser feito para o conhecimento científico da Amazônia, por grupos sediados aqui ou fora, será muito relevante. O aproveitamento sustentável da biodiversidade representa uma das principais novas fronteiras para impulsionar a economia brasileira. Para a região, para os povos da região, não é bem assim. Para esses, a pesquisa feita por quem está na região é que produz os melhores resultados, criando a possibilidade de uma transformação de suas condições de vida e isso é assim por várias razões.

Além de gerar conhecimento, a pesquisa feita por pesquisadores(as) que vivem na Amazônia é um ambiente de formação de uma inteligência local, que vivendo aqui contribui com a sociedade amazônica de diferentes modos: na formulação e execução de políticas públicas, na interação e apoio à formação de lideranças nas organizações sociais, na promoção da consciência socioambiental e, inclusive, trazendo recursos que alimentam a economia das cidades onde as nossas instituições estão instaladas. Também são os grupos de pesquisa da própria região que dispõem de tempo e disposição para interagir cotidianamente com a população e (re)conhecer as suas demandas mais emergenciais, são os que fazem a mediação entre o que faz sentido pesquisar tendo-se como referência a ciência contemporânea e o que precisa ser pesquisado para atender as pessoas que aqui vivem. Essa experiência é muito evidente para os(as) pesquisadores(as) locais e para a população. A título de ilustração, nenhum(a) pesquisador(a) de fora teria priorizado estudos que levassem ao resgate e preservação do ecossistema de manguezais na região bragantina, no Pará, ameaçado de extinção, com impactos enormes em toda a economia local. Quem fez isso foram pesquisadores(as) da Amazônia, incluindo membros do Instituto de Estudos Costeiros do Campus da UFPA em Bragança. Como esse, há muitos outros exemplos.

Portanto, para quem tiver um interesse genuíno em contribuir com o desenvolvimento da ciência na Amazônia, com o aproveitamento do conhecimento para melhorar as condições de vida dos povos da Amazônia, a tarefa principal é garantir que os recursos federais para a pesquisa da Amazônia sejam destinados às instituições instaladas na Amazônia, com o protagonismo e a liderança dos grupos de pesquisa das instituições amazônicas e colaborações de pesquisadores(as) de todos os lugares que tenham o mesmo compromisso. Esse desafio começa com a correção da injusta e inaceitável assimetria na distribuição dos recursos federais entre as regiões.

A Amazônia tem vivido ciclos repetidos de exploração que alimentam interesses econômicos externos e pouco ou nada deixam para as populações locais. É importante que a sociedade amazônica, suas lideranças políticas e sociais compreendam que o que está por acontecer na região, no investimento em ciência e tecnologia, não é algo que necessariamente favorecerá os povos da região. Há tempo para garantir que as mudanças aconteçam em favor das populações amazônicas, do desenvolvimento social e econômico da Amazônia. Se isso não ocorrer, perderão não apenas as nossas universidades e institutos de pesquisa, mas toda a sociedade amazônica.

O atual momento político do país, com a chegada de um governo que valoriza a ciência e que se preocupa com a Amazônia, é favorável às mudanças aguardadas. Há, também, muita disposição de pesquisadores(as) de outras regiões e países para o trabalho colaborativo com grupos de pesquisa instalados na Amazônia, respeitando e valorizando a capacidade científica de nossas instituições. Havendo uma convergência de esforços, será possível inaugurar um ciclo de expressivo avanço da ciência da Amazônia em favor da Amazônia.

*Emmanuel Zagury Tourinho é ex-presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA).

*Artigo pulicado originalmente no jornal O Liberal, em 18/06/2023.